Qual parte não se entendeu?

(*) Humberto Gouvêa Figueiredo

A Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo estão “esperneando” porque o Tribunal de Justiça Militar, por provocação da Associação dos Oficiais em Defesa da Polícia Militar – Defenda PM, deferiu salvo conduto coletivo em sede de Habeas Corpus, garantindo que nenhum Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo seja indiciado em Inquérito Policial ou em Inquérito Policial Militar por adotar medidas de autoridade de polícia judiciária militar diante de caso de crime militar.

É um absurdo, mas é verdade!

Uma Associação da Polícia Militar precisou provocar a Justiça para que os seus representados cumprissem a lei, para que tivessem a devida garantia jurídica para fazer aquilo que sempre foi a sua obrigação legal, ou seja, a de apurar por meio de Inquérito Policial Militar, crimes militares.

Olhem a obviedade: a Constituição Federal em seu artigo 144, parágrafo 4º prevê que: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” (grifo nosso).

A Constituição como sabe qualquer aluno do 1º Semestre de um Curso de Direito é a lei máxima de um Pais e todas as normas abaixo dela, chamadas “infraconstitucionais” não pode confrontá-la.

É o básico, do básico, do básico…

Pois bem, em 1996 foi sancionada uma lei federal, de número 9299/96, que transferiu a competência do julgamento de crimes dolosos contra a vida de civis praticado por policiais militares para o Tribunal do Juri, deixando o julgamento de ser da competência da Justiça Militar.

A nova lei, exceto para aqueles que desconhecem o direito ou tem posição ideológica contrária às Polícias Militares ou, finalmente, para os que agem por corporativismo, não alterou em nada a previsão contida no parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal: o crime de homicídio doloso quando praticado por policial militar em serviço contra um civil continua a ser crime militar, deixando apenas a fase de julgamento de ser feita pelo Juízo Castrense, que recebendo o Inquérito Policial Militar, o encaminhará ao Tribunal do Juri.

Aproveitou-se ardilosamente de que houve a transferência do Juízo para interpretar-se que também automaticamente haveria a transferência da fase de investigação policial.

A razão para isto é óbvia: estabelecer controle e “comando” por via indireta por parte da Polícia Civil em relação à Polícia Militar. Além disso, criar uma espécie de “subordinação” da Polícia Ostensiva em relação à Polícia Judiciária.

Afirma-se que se forem os Oficiais da Polícia Militar os encarregados da apuração de crimes praticados por outros policiais militares haveria uma espécie de proteção ou omissão na busca da verdade: mas quem é que investiga os crimes praticados por policiais civis? São Delegados de Polícia da Polícia Civil. Quem investiga os crimes praticados por Promotores de Justiça? São membros do Ministério Público. Quem investiga crimes praticados por juízes? São Magistrados.

Será que a única categoria profissional sob a qual se aponta suspeita é a dos Oficiais da Polícia Militar?

Não estaríamos diante de uma evidente discriminação em relação aos Oficiais das PMs? Penso que sim.

É preciso lembrar (não para todos porque os interessados em tirar dos Oficiais das PMs esta competência sabem disto) que os atos de polícia judiciária são precários e servem unicamente para o levantamento de provas (materialidade) e de identificação da autoria de um delito, que serão por meio de um relatório encaminhado ao Ministério Público para que este avalie se de fato houve o crime, se há materialidade e indícios da autoria, dando subsídios para que ele ofereça a peça processual chamada de Denúncia.

Depois, aceita a Denúncia pelo Juiz, todas as testemunhas ouvidas na fase da investigação são novamente ouvidas, as provas são reavaliadas, analisada a defesa e a peça de acusação para, ao final, proferir-se a sentença.

Vejam então, as quantidade de oportunidade que existe para se identificar se o responsável pela investigação foi parcial ou omisso e, em o sendo, poder-se responsabilizá-lo.

Não quero polemizar muito, mas bastaria uma simples comparação da qualidade e profundidade entre os Inquéritos (Comum e Policial Militar) em qualquer Delegacia/Batalhão do Brasil para se concluir sobre qual das peças é, em regra, melhor elaborada e conduzida…em qual delas se busca a verdade real com mais profundidade e objetividade.

Não perderei meu tempo discorrendo sobre a narrativa plantada na imprensa de que “a PM estaria autorizada a mexer na cena do crime, nas armas e nas provas”: ninguém é autorizado a fazê-lo, a não ser o Perito Judicial, autoridade legítima para registrar o sítio do crime.

A Polícia Militar em caso de crime militar e até em caso de crime comum se tiver o primeiro contato, tem a incumbência de preservar o local, garantindo que permaneça intacto para o relevante trabalho do Perito.

A narrativa é ideológica e se apresenta de modo a criar no inconsciente coletivo a ideia de que os oficiais vão chegar no local de um crime e, deliberadamente alterá-lo para dificultar o trabalho da perícia e, consequentemente, inviabilizar a sua apuração.

Quem faz isto comete crime grave!

Se tem alguém que está “mexendo” em local de crime cuja competência de apuração não é sua, certamente não são os Oficiais da PM: esta é a verdade nua, dura e crua!

Por fim, com satisfação assisto os nossos Tribunais, o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça Militar, nos últimos dias proferindo decisões que, espero, em breve pacifiquem este tema.

Os Oficiais da Polícia Militar não podem (e não devem) abrir mão de nenhuma de suas competências: para o bem da Justiça e, principalmente, para o bem da sociedade.

(*) é coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Foi comandante das regiões de Piracicaba e Ribeirão Preto e da Escola Superior de Soldados.